A 27 de Agosto de 2011, a nossa comunidade sofreu uma perda humana irreparável e, de certo modo, até histórica. Naquele sábado apagou-se uma luz que teve por objectivo de vida destacar uma das modalidades desportivas mais poderosas do mundo, especialmente para os portugueses, como é o futebol.
Adelino Oliveira nasceu em São Mamede, uma pequena cidade situada perto do Porto, no norte de Portugal continental. Quando tinha apenas nove anos de idade, veio para a Venezuela, em 1953, um daqueles anos em que foi registado a maior emigração de portuguesa para esta terra, e talvez por isso para ele não houve limites em termos de sonhos e de metas.
Uma vez terminados os estudos, na década de 60, iniciou uma aproximação ao desporto, sem imaginar que o passatempo pelo qual começava a interessar-se viria a converter-se na sua grande paixão e modo de vida. Foi assim que, ao ir aos estádios para assistir a jogos de basebol e futebol, encontrou o seu lugar para morar. O irmão, Carlos Oliveira, conta que nunca foi um adepto de seguir uma equipo favorita no futebol, que tanto amou. Pelo contrário, no basebol foi apanhado pelo Magallanes.
Do ‘hobby’ ao trabalho
“Fernando Santos tinha um programa aos domingos, pelas 7:30 da manhã, que era uma espécie de serviço prestado à nossa comunidade, e o Adelino foi ter com ele com o propósito de falar sobre futebol nesse programa. E assim foi o primeiro contacto com a rádio. Em 1964, o programa passava na Rádio Crono Radar, que hoje é 1300 AM, e na época era emitido de Petare. Pelas 7 da noite era transmitido “Serenata Portuguesa”, com Daniel Morais, que depois teve que abandonar o programa tendo sido convidado Adelino Oliveira para o substituir.
A audiência neste programa atingiu um bom nível, e passado algum tempo, a estação passou a transmitir “Romarias de Portugal”. Inicialmente, este programa era dedicado à música, mas depois começou a incluir uma vertente desportiva”, recorda o irmão Carlos Oliveira, que também foi seu colega de trabalho.
Já por essa altura, todos quantos conheciam Oliveira sabiam que o seu ‘hobby’ se havia convertido no seu trabalho e numa paixão irredutível. E esta foi fortalecida ainda mais a 29 de Outubro de 1970, quando se converteu no primeiro português na Venezuela a obter o Certificado de Locução, sob o número 5431.
Passou a fazer parte das equipas que realizavam as transmissões de cobertura do futebol venezuelano, onde se iniciou como locutor comercial antes de passar para comentador e finalmente narrador desportivo. “Naquela época era um trabalho bastante difícil porque não existiam as comodidades que nos oferece hoje a tecnologia. Era um trabalho que produzia um forte desgaste pela falta de recursos, mas logravam faze-lo para as pessoas desde as suas casas seguissem o futebol. Uma das suas primeiras transmissões foi desde o estádio Olímpico da Universidade Central da Venezuela, com o Desportivo Português. Depois começou a viajar pelo interior do país para transmitir outros encontros”, recorda Carlos, que acompanhou irmão em vários dessas viagens.
Mas isso não seria suficiente para Adelino, que apesar de ter chegado muito pequeno a Caracas, sempre sentiu um grande amor pelo futebol português pelo que não poupou esforços para que os seus compatriotas tivessem a oportunidade acompanhar em directo o que estava acontecer com as melhores equipas de Portugal. “Naquela época já era como o que hoje se conhece como produtor independente. Ele procurava patrocinadores e os recursos para viajar e transmitir as partidas de Portugal ou das suas equipas pelo mundo. Era como uma ligação entre a comunidade e o futebol português”, relata.
A experiência com a televisão
“Afortunadamente, acompanhei-o muitas vezes. Fizemos muitas coisas juntos. Adelino ensinou-me o pouco que sei de rádio. Éramos um e dois, tanto na rádio como noutras actividades comerciais. Vem-me à memória o 25 de Abril de 1974, o dia da Revolução dos Cravos. Estávamos na estação, em Petare, no estúdio de gravação que ficava a uns 30 metros da cabine onde se transmitia ‘a quente’, e ali tínhamos um equipamento de onda curta, como um que um pequeno rádio no qual costumávamos escutar as notícias de Portugal. Nesse momento, o único que se nos ocorreu é que tínhamos que transmitir isso ao vivo, e a forma encontrada foi gravar o que ia ocorrendo no estúdio de gravação e correr com a fita pelo corredor, uns 30 metros, até ao outro estúdio para que, embora com algum atraso, pudesse ser emitido ao vivo. Foi um dia que recordo muito, porque assim foi que pudemos fazer a transmissão, correndo o risco de que a fita se estragasse pelo caminho”, narra Carlos, com emoção.
Ainda que a rádio fosse o grande amor de Adelino Oliveira, este considerou necessário um contacto com a televisão. O primeiro jogo de futebol português transmitido em directo na Venezuela esteve à sua responsabilidade. “Foi em 28 de Maio de 1978, um jogo Porto-Benfica, que coincidiu com a visita oficial à Venezuela do então primeiro-ministro de Portugal, Mário Soares. Foi transmitido pela Venezolana de Televisión, e o presidente Carlos Andrés Pérez, fez saber que ambos mandatários estavam em La Casona vendo o jogo”, recorda Oliveira, assinalando que se tratou de um momento memorável.
Assim foi que durante vários anos logrou transmitir um jogo do Torneio Português por semana, através do sinal do canal do Estado, e mais à frente, um resumo dos golos, no programa de German “Chiquitín” Etedgui, no Canal 5.
Entre o futebol e o associativismo
“Foi um grande lutador pelo desenvolvimento do futebol nacional, desde aquela época dos anos 70, quando apoiava o seu amado Deportivo Portugués, assim como a Vinotinto. Sem receio de me equivocar, posso dizer que possivelmente a maior alegria que viveu este grupo foi o triunfo da Vinotinto em 1981 ante a Bolívia, quando se ganhou pela primeira vez um encontro classificatório ante a selecção daquele país. Recordo nesse momento, no estádio da UCV, os locutores eram Adelino e Freddy Rosas, e ficaram sem garganta. Foi algo para não esquecer”, segundo pode ler na carta de despedida ao amigo Adelino da autoria do comentador desportivo Víctor Estrella.
Na sua carreira profissional, Adelino logrou muitos dos seus objectivos. Provavelmente quem o conheceu dirá que o que lhe faltou fazer foi comentar um jogo da Vinotinto num Mundial. Mas graças ao seu trabalho contactou de perto com personalidades do futebol a quem admiro muito, como Eusébio e Figo, entre tantos outros.
E tal como tinha tempo para o futebol, também tinha para a sua família e o associativismo. Esteve ligado ao Deportivo Portugués como dirigente, e também à União Ciclista Portugal, quando tinha como sede Sebucán. Também foi membro fundador e sócio número 1 do hoje Centro Luso Venezuelano de Vargas, e promotor do Centro Português e do Centro Marítimo de Turumo, assim como de outros clubes.