Como é bem sabido, a sociedade do nosso país é composta maioritariamente por imigrantes de muitas partes do mundo. Durante o século XX, as guerras na Europa e África fizeram com que muitas pessoas e famílias inteiras procurassem outras latitudes para ter uma melhor qualidade de vida. A Venezuela foi um desses destinos e os portugueses foram parte importante desse processo de interligação de culturas. Um desses casos é o de Albino Domingues, que chegou só e acabou por criar raízes, que o ligaram a este país para sempre.
Albino Domingues nasceu a 16 de Janeiro de 1933 na freguesia de Labra, Lugar de Antela, Matosinhos, Porto. Tem três filhos: Jimmy, Fernando e Carlos. O último é o narrador de futebol na Directv Sports e faz parte da Deportes Unión Radio 1090 AM. A sua esposa há 42 anos é Maria Eudosia Pernía de Domingues, oriunda de Santa Ana del Táchira. Albino tinha cinco irmãos.
Chegou pela primeira vez à Venezuela em 1956 , durante o governo de Marcos Pérez Jiménez, “ e num mês derrotaram-no”. “O meu irmão Manuel estava aqui. Eu estava em Cabo Verde, no exército. Ele estava na construção do Hotel Moruco, em Santo Domingo, no Estado de Mérida. Eu queria vir. Quando terminei o exército, vim para cá. Ele esteve seis anos, regressou a Portugal, e nunca mais voltou”, disse.
Esteve mais dois anos em Cabo Verde. “Fui cabo primeiro. Fui para lá para substituir outro, era em São Vicente, no Comando Militar. Não havia guerrilhas. Quando fui, não havia problemas. Os problemas começaram depois”, apontou.
A construção civil ocupou a sua vida laboral durante os primeiros tempos na terra de Bolívar, e teve a oportunidade de conhecer muitos lugares. “Com o meu irmão, fiz muitas coisas. Ali no Hotel Moruco, em Santo Domingo, no Estado de Mérida. Depois, calhou-nos um trabalho em Prados del Este, quando ainda não era nada. Os engenheiros do Hotel Moruco queriam fazer um colégio para 400 alunos em Turén, Estado Portuguesa, nas comunidades agrícolas. O meu irmão tinha um amigo que vinha do Brasil. Fomos para Puerto Cabello fazer algo para as Forças Armadas de Cooperação, oficinas, depósitos, entre outras coisas”, explicou. Também contou que o seu irmão queria que estivessem juntos e não cada um para seu lado.
Viveu uma época difícil num estacionamento de La Florida. “O meu irmão conseguiu umas quintas da época do general Gómez. Os irmãos Álvarez estavam ali, faziam comida para os restaurantes e deixaram isso abandonado. Ficamos a fazer um estacionamento. Pedi uma fiança a um amigo com quem fizemos numa quinta em La Florida. O dono na imobiliária ajudou-nos. Cheguei a dormir dentro dos carros, foram 10 meses sem pagar aluguer. O outro, um espanhol, cobrava alugueres com a mulher. Fui falar com o dono à esquina de Sociedad e disse-me que não tinha de aguentar isso. O senhor Marco González foi e armou uma confusão. Havia várias cozinhas dos irmãos Álvarez, e até recibos dos inquilinos por baixo do montante que pagavam. Deram-me o meu dinheiro e voltei para Portugal”, apontou.
Teve muitas idas e vindas, antes de ficar definitivamente. “Cheguei à Venezuela em 1956. Fui e voltei para cá outra vez, montei um negócio na Avenida San Martín, onde estão os padres dominicanos, saí dai, pagaram-me e voltei para Portugal. Quase sempre ia por seis meses e regressava. Em Fevereiro de 1969 vim e nunca mais regressei ao meu país. O meu pai tinha morrido e quatro anos depois, a minha mãe morreu”, relatou com nostalgia.
A sua última viagem até Portugal foi em 1969. Uns empresários judeus ofereceram-lhe trabalho com máquinas empacotadoras, grãos, arroz, entre outras coisas, em San Martín. Hoje em dia continua no mesmo lugar. “Regressei porque tinha um trabalho no restaurante Las Palmas, já conhecia a zona, todos eram meus amigos, os judeus mais do que tudo. O dono disse-me para continuar a trabalhar com ele. Bom, quando vim pela última vez, eles estavam à minha espera em La Guaira, eu tinha escrito uma carta dizendo o dia em que chegava. Estava o dono do restaurante Las Palmas e o dono disto. Já morreram todos. Queriam que trabalhassem com eles, como sabiam que eu era boa ente, e sabia de carpintaria, vim para aqui. Estou a trabalhar com os filhos, não sabiam nada disto e fui lhes ensinando”, disse.
Quatro anos depois da sua última travessia pelo Oceano Atlântico, conheceu a sua esposa e mãe dos seus filhos. “Em 1973, conheci a minha mulher. Estava uma árabe e connosco e trabalhava um espanhol, a mulher era porteira. Vivia na esquina Manduca, em La Candelaria. Um alfaiate amigo disse-me que me mudasse com ele para San Bernardino. Eu ia e brincava com a velha. Bom, houve um dia em que ele trabalhava numa alfaiataria em Chacaíto… esqueceu-se da chave, e o espanhol mostrou-me o lugar onde vivia. Foi aí que a conheci. A minha mulher queria ser adventista, e para sê-lo, tinha de casar-se. Estivemos 10 anos juntos sem casarmos. Carlos e Fernando já tinham nascido. Já estamos há 43 anos juntos. A minha esposa teve Jimmy antes de nos conhecermos”, narrou. Sente a falta da sua terra. Não obstante, tudo o que tem está na Venezuela. “Da minha família lá não resta nada, dos meus familiares directos, digo, pais e irmãos. O meu irmão Manuel tinha quatro filhos e essa foi uma das razões pela qual ficou lá definitivamente”, assinalou.
O apelido Domingues tem assegurada mais uma geração. “Tenho quatro netos, três que são filhos de Jmmy e uma de Fernando. Nós éramos só homens. Quando chegou a menina de Fernando, foi uma grande alegria”, apontou.
Tem um carro de 1969 que guarda como um tesouro. “Tenho-o como uma relíquia, criei os meus filhos com esse carro”.