Em 90 dias, a sua vida sofreu mudanças importantes a nível pessoal e profissional. Desde há mês e meio que é pai de uma menina que rouba os seus suspiros e enche de esperança as suas palavras, ao mesmo tempo que recebeu o convite do alcaide do município Chacao, Emílio Graterón, para ser o novo director da Polícia Municipal.
O comissário Jorge Gabriel Pita Gonçalves é filho de José Guido Pita Ferreira e de Maria Terezinha Gonçalves, que chegaram à Venezuela vindos de Câmara de Lobos, Madeira, a bordo do navio Federico C em 1967. Não pára de surpreender, com as suas acções, o novo grupo de trabalho, pois longe do que muitos possam pensar, é um homem que se caracteriza pela humildade e simplicidade. “Quando comecei na polícia, passava a esfregona no chão e limpava casas de banho, por isso se vejo um papel no chão apanho-o sem problemas, se é para limpar a mesa, limpo, um cargo não nos torna mais importantes que os outros”, diz.
Orgulhoso de ser português
“Sou luso-descendente e cidadão português também, temos essa grande vantagem”, disse, entusiasmado, e prossegue: “Como qualquer português, tenho família por todos os lados, o que é bom, porque cada vez que quero viajar, tenho onde ir.”
Das suas raízes conserva o idioma e não perde oportunidade de deleitar-se com um bom bacalhau, enquanto que os princípios da família portuguesa são o pilar da sua vida. “Em pequeno carregava carrinhos no supermercado Sorocaima de La Trinidad, que era de um primo, depois lavava carros, pintava apartamentos para ajudar a minha mãe, fui fazendo um pouquinho de tudo para ir poupando e estudar”, recorda sobre os sacrifícios que fazia junto com os três irmãos depois de terem ficado órfãos de pai.
“Fixei prioridades, deixei de fazer muitas coisas durante oito anos para poder comprar a minha casa, porque foi o que os meus pais me transmitiram. ‘Cobro mi quincena’ e cumpro todos os meus compromissos, primeiro cubro as necessidades da minha casa e depois o resto”, destaca Pita, que espera poder levar a sua esposa e filha a conhecer Portugal no próximo ano. “Há 11 anos que não vou a Portugal e quero que a minha mulher conheça o local de origem da minha família, que veja as belezas da Madeira e do continente.”
Da universidade à polícia
Na Venezuela há uma percepção errada sobre os polícias, que são considerados indivíduos sem estudos, por isso é considerado um ofício pouco digno na sociedade. No entanto, a criação das polícias municipais gerou uma mudança de mentalidades. “Em 1991, estava no sexto semestre de Administração e chamou-me a atenção um aviso no qual procuravam bacharéis e profissionais universitários para criar novas polícias, era outro perfil das polícias que existia à data, porque as pessoas queriam um novo corpo de agentes. Assim, fiz as provas sem dizer nada em minha casa, e no mesmo dia disseram-me que tinha sido aceite”, relata sobre o dia em que chegou a casa com a lista de materiais que precisava para ingressar na polícia de Sucre.
“Mãe, entrei na polícia”, respondeu, quando ela perguntou o que era aquela lista, em que eram pedidas camisas, meias, uns jeans e uns calções. Mesmo sem o acordo da mãe, seguiu em frente, e assim pôde terminar os estudos de pré-grau na Universidade José Maria Vargas, onde se licenciou na vertente de gestão de empresas. “Fui me formando, fazendo cursos, reestruturámos a polícia do estado de Miranda, montámos a nova plataforma da polícia e depois passei a ser director de Prevenção e Segurança Cidadã do estado”, destaca este luso-descendente, que teve ainda a oportunidade de formar-se, por sua vontade e mérito próprio, noutros países, como os Estados Unidos e Israel. E não foi por acaso que reestruturou a segurança em algumas empresas privadas, que foi subdirector da polícia do município Los Salias e posteriormente de Sucre, até passar para Chacao há um par de semanas.
Foi precisamente na zona de Chacao que começou a trabalhar. Naquela altura aquela área fazia parte de Sucre. “Nunca me vou esquecer. Estava destacado para patrulhar a pé e o meu primeiro caso foi um louco com um machado a ameaçar as pessoas na rua”, conta.
Agora passados 20 anos de carreira, assume um novo desafio, ainda que confesse que não é um trabalho fácil. “É muito complicado trabalhar na polícia porque precisamos dedicar-lhe muito tempo, mas agora estar à frente de outra instituição, a que vi nascer, e com características muito diferentes do município de onde venho, é um grande desafio”, disse.
Princípios vitais
“Cumpro a lei no que quer que seja, mas não acato ordens políticas”, responde quando se interroga sobre o segredo da sua carreira, ao que acrescenta que houve valores que foram factores determinantes na sua vida, como “a honestidade, a ética para diferenciar as coisas boas das coisas más, o sacrifício, saber reconhecer o custo das coisas, esse sacrifício que vi dos meus pais para conseguirem as coisas.”
Confessa que pensou em procurar novos horizontes fora das nossas fronteiras, mas assegura que tem “fé em que as coisas têm de mudar em qualquer momento, não por uma cor mas sim porque as coisas, mais cedo ou mais tarde, têm de fazer-se como deve ser.”
“O esforço e a constância permitem que consigamos tudo o que nos propomos. Sou exemplo disso, com tudo e com as dificuldades. Devemos nos esforçar e fixar prioridades, porque aquele que quer evoluir, evolui”, concluiu.