Sónia Gonçalves
Segundo dados oficiais, a Madeira já acolheu cerca de quatro mil luso-venezuelanos. Estes têm muito em comum, nomeadamente o facto de procurarem um mundo melhor nesta ilha europeia. Contudo, partilham também de um denominador comum: a dor de deixar para trás familiares (e amigos). Pais, avós, tios, filhos, netos. Familiares que gostariam de trazer com eles, mas que as condições, sobretudo económicas, não lhes permite.
O CORREIO falou com alguns portugueses e luso-venezuelanos que deixaram as terras de Bolívar à procura de um mundo melhor. A medalha reverteu-se. À semelhança do que aconteceu há muitas décadas, hoje é na Madeira que estes ex-emigrantes e os seus descendentes veem alguma esperança. Voltam tristes e defraudados, mas ainda assim com fé e vontade de começar do zero. Daquele país, trazem alguns traços latinos muito particulares, nomeadamente a alegria do dia-a-dia crioulo.
Aos 82 anos, um desejo antigo, que já pensava nunca ver concretizado, acabou por se tornar realidade: Manuel da Mata regressa à Madeira com Maria da Silva, a sua esposa de 80 anos. Para trás, deixa uma filha, genro, três netas, 63 anos de Venezuela, muitas lembranças, intermináveis histórias e uma dor muito grande.
O regresso sempre foi um sonho para ele, mas a sua mulher e filha nunca quiseram. Talvez por isso mantiveram na ilha uma casa, nem que fosse para férias, pensou ele durante muitos anos, resignado. Eis que esta foi a verdadeira salvação para este casal idoso natural dos Canhas, Ponta do Sol.
Há pouco mais de um mês, no dia 29 de abril de 2017, uma data que nunca mais será esquecida, os dois veem-se obrigados a partir sem a filha, que entretanto casara com um venezuelano e lhes deu duas netas. «Não temos possibilidades para trazê-los todos. A filha, as netas e o marido têm vontade de vir, mas não pode ser», explica, evidenciando que não conseguiria garantir formas de subsistência na Região.
Apesar das controvérsias, mantém sempre um sorriso no rosto e conta-nos que, depois de mais de 60 anos de trabalho nas terras de Bolívar, nos últimos tempos, não conseguia ganhar dinheiro devido à situação do país. Trabalhava no Mercado de El Paso, em Los Teques, a vender flores, mas não vendia «nem uma». E explica: «O desespero das pessoas é grande. Procuram comida, não querem saber de flores».
Carol de Abreu de Sousa saiu da Venezuela aos 46 anos. Em comum com Manuel da Mata tem o facto de ter saído incompleta… Deixou lá os pais idosos, o pai com 75 anos e a mãe com 68. «Querem vir, mas não temos dinheiro para que possam ficar aqui», lamenta, vincando que ela e a irmã, a residir no Chile, conseguem ajudá-los financeiramente, embora a preocupação seja uma constante.
Filha de madeirenses naturais do Funchal, a insegurança que o país lhe oferecia não a fez pensar muito. «Não conseguia ter uma vida normal. Não queria ficar a viver num país tão inseguro e com tanta agressividade», explica.
Esta luso-venezuelana está na Madeira há dois anos e sente-se perfeitamente integrada. Na Venezuela, trabalhava em publicidade, como copyrighter, e era psicóloga das organizações, na seleção de pessoal. Na Madeira, inicialmente trabalhava pela Internet, a prestar serviços para empresas espanholas, mas agora trabalha na área do empreendedorismo associada às redes sociais.
«Não tenho planos de regressar à Venezuela. Apaixonei-me pela Madeira», sublinha, destacando que aqui encontrou pessoas dispostas a ajudá-la e uma facilidade em encontrar bens de primeira necessidade e medicamentos, o que a deixa muito sossegada.
Também Aura Rodrigues, luso-venezuelana, está na Madeira há quase dois anos e não quer regressar. Os motivos que a fizeram sair não são os mesmos. Veio porque o pai estava doente.
Licenciada pelo Instituto Camões, dava aulas de português, tendo licenciatura em “Despacho de Vuelo”, a sua grande dificuldade é encontrar trabalho. «Em Portugal, se tens mais de 35 anos, ficas para trás na lista de empregos. Então se tens mais de 50…», explica com tristeza.
Ainda assim, regressar à Venezuela está fora de questão devido à situação do país…
Também quem não tenciona voltar é Edgila Sousa, de 32 anos, casada com um luso-venezuelano filho de um português natural dos Canhas, Ponta do Sol. Descendente de árabes, não queria vir para Portugal. Contudo, há dois anos, o marido foi vítima de um assalto violento e sobreviveu por pouco. Os sogros investiram num supermercado nos Canhas, onde ela e o marido são gerentes. Na Madeira, já tiveram um filho e na ilha encontraram a felicidade.
«Acho que a Venezuela vai demorar muitos anos a voltar a ser o que era. Não muda de um dia para outro, mesmo que mudasse o governo», assegura. E acrescenta: «A vida é mesmo um ciclo. Os que ontem foram para a Venezuela, os seus filhos voltam hoje às suas raízes. Amanhã quem sabe o que poderá acontecer com a próxima geração…?»
QUESTIONÁRIOS: O que acha do retorno dos portugueses e luso-venezuelanos à Madeira? Teremos capacidade para os acolher?
Dinis Oliveira
«Maldito do Chávez e do Maduro e toda essa raça. Deviam ser todos enforcados. Não estive nunca na Venezuela, mas tenho família lá. Nos anos 60, a Venezuela era uma maravilha, uma loucura, só se falava na Venezuela e na África do Sul, agora é isto…»
Beatriz Jardim
«Acho que é importante acolhermos essas pessoas. Não sabemos o nosso futuro. Agora somos nós a ajudá-los, mas nunca sabemos se não serão eles a nos ajudar, mais tarde. Quanto a termos capacidade de os acolher, entendo que conseguimos dar a volta, pois a questão tem a ver com conseguir unir esforços e fazer alguma coisa ao nível nacional.»
Maria José Abreu
«Acho que temos capacidade para os acolher. São filhos da terra. Embora fossem à procura de uma vida melhor e tenham acabado por perder os seus bens, acho bem que Portugal os deve ajudar. Aliás, aconteceu o mesmo com Angola, Moçambique… Acho que o Governo devia dar casa a todas as pessoas que vêm. Mesmo que não fosse uma casa de luxo…»
Susana Pinto
«Temos que estar preparados. Ainda hoje ouvia na rádio que estão a criar um Gabinete para os apoiar e acho bem porque há muitas barreiras ao nível do ensino e muitos têm dificuldades em termos de equivalências, etc.»
CONTESTAÇÕES NAS REDES SOCIAIS
Nas redes sociais, as primeiras notícias de apoios por parte do Governo Regional aos portugueses e luso-venezuelanos que decidam regressar ou instalar-se na Região Autónoma da Madeira causaram algumas contestações.
O desemprego e a crise atual são os principais motivos apontados para não fazer sentido haver apoios sociais por parte do Governo.
Contudo, rapidamente muitos foram os que se insurgiram contra e reiteraram a necessidade de Portugal e a Madeira serem solidários.