Ler está na moda: Rosa Alice Branco

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Rosa Alice Branco é uma poetiza, ensaísta e tradutora. É também professora e investigadora das universidades de Aveiro e do Porto. Em Portugal já publicou uma dezena de livros sobre poesia, sendo um dos mais conhecidos na Venezuela “Soletrar o Dia”, que apresentou numa visita a Caracas há uns anos, quando a editorial Monte Ávila editou a sua obra reunida em 2008 e participou em eventos de organizações como o Instituto Português de Cultura.

Além da Venezuela, já publicou em Espanha, Itália, França, Brasil, Canadá, entre outros países. Venceu o prémio Espiral Maior de Poesia com “O gado do Senhor”, publicado em 2011. E participou em numerosos festivais internacionais de poesia, tendo em 2012 sido seleccionada para representar Portugal nas Olimpíadas da Poesia, em Londres, e em 2013 foi nomeada para o prestigiado prémio literário americano  Pushcart Prize, que se concede ao melhor trabalho de poesia ou ficção publicados nas revistas literárias dos Estados Unidos. A continuação, deixamos uma das suas criações:

PASSOS SEM MEMÓRIA

Olho pela janela e não vejo o mar. As gaivotas

 andam por aí e a relva vai secando no varal. Manhã cedo,

 o mar ainda não veio. Veio o pão, veio o lume

 e o jornal. A saliva com que te hei-de dizer bom dia.

 As palavras são as primeiras a chegar. O que fica delas

 amacia o papel. Pão quente com o sono de ontem

 e os sonhos de hoje. Prepara-se o dia, os passos

 de ir e vir. Estou cada vez mais perto. Olhas-me

 como se soubesses o que hei-de saber mais logo.

 Nesta cidade nunca é meio-dia. Há sempre uma doçura

 de outras horas. E recordações avulsas. Deixa-as sair

 de dentro do vestido, deixa soltar as ondas do mar.

 A janela está vazia. O meu filho caminha na praia

 e tu soletras as gaivotas. Caminha à minha frente

 sem deixar pegadas. Perco-me como todas as mães,

 todos os amantes. Invento passos e palavras

 para adormecer. A esta hora a minha avó enrolava o rosário

 nas mãos. Eu estava dentro das contas, dentro do sono

 que rondava a prece. Durante muito tempo estive fora.

 Agora caminhamos juntos. Sem memória.

(In: Soletrar o Dia – obra poética)

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